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Um Gigantes de 68


Na peça do Alto Do Seu Encanto Pixinguinha tem um sonho - ser gigante. Mas seu pai diz que é impossível, pois somente heróis ou filhos de heróis, como os que lutaram contra a ditadura em 68, podem ser gigantes.

Eis um grande, um alto, um gigante - José Celso Martinez Corrêa. Esse é um link para a primeira parte do documentário DNA que fala do Teatro Oficina. Nesse vídeo Zé Celso fala de alguns episódios de 68.

http://www.youtube.com/watch?v=gM0JnqwK880


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José Celso Martinez Corrêa (Araraquara SP 1937). Diretor, autor e ator. Destacado encenador da década de 60, inquieto e irreverente, líder do Teatro Oficina, uma das companhias mais conectadas com o seu tempo. Encena espetáculos considerados antológicos, tais como Pequenos Burgueses; O Rei da Vela; e Na Selva das Cidades. Nos anos 1970, vivencia todas as experiências da contracultura, transformando-se em líder de uma comunidade teatral e das montagens de suas criações coletivas. Ressurge nos anos 1990, numa nova organização da companhia, propondo uma interação constante entre vida e teatro.


Estuda na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, USP, e participa do Centro Acadêmico XI de Agosto, integrando o núcleo de estudantes que funda o Oficina, grupo de teatro amador. Seus primeiros textos, Vento Forte para Papagaio Subir, 1958, e A Incubadeira, 1959, ambos autobiográficos, são montados pela equipe sob a direção de Amir Haddad. Para comemorar a presença de Jean-Paul Sartre no país, traduz e adapta, juntamente com Augusto Boal, líder do Teatro de Arena, o roteiro cinematográfico de A Engrenagem, encenado por Boal com o Teatro Oficina em 1960.


Em 1961, o Teatro Oficina inaugura a sua fase profissional e sua casa de espetáculos, alugada e reformada na Rua Jaceguai. A empresa é composta pelos sócios Renato Borghi, José Celso Martinez Corrêa, Ronaldo Daniel (que depois se torna importante diretor na Inglaterra, como Ronald Daniels), Paulo de Tarso e Jairo Arco e Flexa. Para abrir a programação, é encenada A Vida Impressa em Dólar, de Clifford Odetts, estréia de José Celso como diretor. O estreante realiza um trabalho seguro sem grandes ousadias, em que o elenco se mostra uno e talentoso, destacando-se as interpretações de Fauzi Arap, Célia Helena e Eugênio Kusnet. Este último, profundo conhecedor do método Stanislavski, colabora na preparação dos atores. A montagem rende a José Celso o prêmio revelação de diretor pela Associação Paulista de Críticos de Teatro - APCT.


Em 1962, a equipe monta Todo Anjo é Terrível, de Ketti Frings, adaptado do romance autobiográfico de Thomas Wolffe, confirmando as aptidões do jovem encenador. O texto retrata a trajetória do "artista quando jovem", e, contando com a presença da consagrada atriz Henriette Morineau, amplia o prestígio da companhia. Com toda a experiência adquirida nos anos anteriores sobre a elaboração psicológica das personagens com base no método Stanislavski, o Oficina coroa a fase de montagens realistas dando o seu primeiro grande salto em termos de espetáculo: em 1963, José Celso encena Pequenos Burgueses, de Máximo Gorki, com enorme repercussão. O diretor consegue estabelecer um convincente paralelo entre as perplexidades da Rússia pré-revolucionária e as de um Brasil às vésperas do golpe, levando todo o elenco a desempenhos emocionantes. Pequenos Burgueses torna-se um espetáculo extremamente rentável, sendo remontado várias vezes, elevando José Celso ao posto de um dos mais talentosos e originais diretores do momento e o tempo o consagra como um marco histórico: segundo alguns críticos, a mais perfeita encenação stanislavskiana do teatro brasileiro.


Pequenos Burgueses rende a José Celso todos os prêmios de melhor direção do ano. É suspenso em abril de 1964 pelas autoridades militares que acabam de tomar o poder, retornando no mês seguinte, mediante o pagamento a alguns agentes de um forçado "pedágio". A música final do espetáculo, a Internacional Socialista, é substituída pela Marselhesa.


O golpe muda o direcionamento do grupo de José Celso. A sua primeira resposta à nova situação é Andorra, de Max Frisch, ainda em 1964. O texto trata de questões ligadas ao anti-semitismo pós-Segunda Guerra, mas serve ao Oficina como metáfora para firmar posição contra a perseguição e violência do regime autoritário. A encenação se mostra crua e despojada e, paradoxalmente, entremeada de momentos líricos e de cenas de vigorosa emoção. O espetáculo marca a transição do trabalho de José Celso do realismo de Stanislavski, presente na construção dos personagens, para o teatro épico de Bertolt Brecht, cuja referência se apresenta na postura crítica da encenação, mesmo que ainda tímida.


O diretor aprofunda seus estudos das teorias do teatrólogo alemão e, enquanto o Oficina excursiona ao Uruguai, faz uma viagem à Europa, onde estabelece contato com o Berliner Ensemble. De volta, em 1966, inicia os ensaios de Os Inimigos, do mesmo autor de Pequenos Burgueses. A trama da peça gira em torno da abortada revolução de 1905 na Rússia, reprimida pelo czarismo. Outro Gorki, agora com uma linguagem diametralmente oposta. O historicismo épico substitui o realismo psicológico, numa abordagem dialética do fenômeno da luta de classes, manifestada através de uma inspiração na linguagem de Erwin Piscator - com direito a utilização de slides com documentação histórica, painéis destinados a transpor a ação do particular para o geral e pontuação musical demarcando as falas politicamente mais relevantes. O espetáculo é uma grande produção, em parceria com Joe Kantor, com tratamento visual de Flávio Império e músicas inspiradas em canções e hinos soviéticos, compostas por Chico Buarque. O resultado da montagem apresenta-se estimulante, inquieto e polêmico. Denuncia um momento de transição para o grupo que, em cinco anos, se torna um dos mais respeitados do panorama teatral, buscando ardentemente uma nova abordagem estética diante dos temas políticos que predominam no teatro desse período.


Em 1967, após um incêndio no Teatro Oficina e sua reformulação à italiana, abre-se para o diretor uma nova perspectiva estética e teatral: a antológica montagem de O Rei da Vela, de Oswald de Andrade. Um marco histórico que influencia toda uma geração e pode ser considerada um "divisor de águas" similar à montagem de Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues, por Os Comediantes, em 1943. O texto escrito na década de 30, chega a ser considerado impossível de ser colocado em cena, tal a sua verborragia anárquica e seu espírito transgressor. Mas encaixa-se perfeitamente como voz do movimento de rebeldia juvenil latente em 1967, que meses depois toma conta das ruas de Paris, e conseqüentemente, de toda a Europa e das Américas. O processo de montagem abarca um profundo mergulho em textos contemporâneos da arte de vanguarda. A direção, juntamente com a equipe, elabora uma proposta teórica de releitura da postura estética das esquerdas, através de algo intrinsecamente brasileiro. O Rei da Vela propõe uma escritura cênica paródica e violenta, grotescamente estilizada, que se serve da farsa, da revista musical, da ópera, dos filmes da Atlântida, abusando de referências a uma sexualidade explícita, concretizando um teatro antropofágico. José Celso assume um discurso agressivo, elevando sua montagem à categoria de manifesto destinado a comunicar, "através do teatro, a chacriníssima realidade nacional".1 A realização ganha uma posição de liderança no movimento tropicalista, já efervescente nas artes visuais, no cinema e na música popular. José Celso é um dos ícones da tropicália, juntamente com Helio Oiticica, Glauber Rocha e Caetano Veloso. A repercussão é impactante e polêmica, chocando muitos críticos e espectadores, mas impondo-se pela ousadia e originalidade. Essa reação repete-se nas apresentações em festivais internacionais de Florença, na Itália, e Nancy, na França. O crítico francês Bernard Dort flagra, todavia, a verdade da realização: "Estamos aqui diante não de uma tranqüila tentativa de fundar um teatro folclórico e nacional (...), mas de um apelo raivoso e desesperado por um outro teatro: um teatro de insurreição".2


Incendiando o ambiente teatral em 1968, momento mais crítico dos embates entre a categoria e o regime, Zé Celso dirige Roda Viva, de Chico Buarque, no Rio de Janeiro, sua primeira experiência fora do Oficina. Tomando o ingênuo texto de Chico Buarque em torno da vida de um ídolo da canção popular que é manipulado pela imprensa e indústria fonográfica, o encenador estiliza um ritual raivoso e provocador, no qual os atores vão à platéia incitá-la fisicamente. Considerada emblemática do "teatro agressivo" pelo crítico Anatol Rosenfeld, a montagem reflete um momento em que o teatro assume um tom violento, de confronto, de cobrança de atitudes frente a uma situação sociopolítica tensa e insustentável. O radicalismo do espetáculo provoca uma polêmica que resulta numa ação ostensiva do Comando de Caça aos Comunistas - CCC, grupo paramilitar que agride o elenco e destrói parte do cenário na temporada paulista. É retirado de cartaz pela Censura durante apresentações em Porto Alegre.

A montagem seguinte do Oficina surpreende após as duas anteriores: Galileu Galilei, de Bertolt Brecht, é um retorno à valorização da razão, da palavra e do pensamento. O ensaio geral realiza-se no dia da proclamação do Ato Institucional nº 5, em meados de dezembro de 1968. O espetáculo de José Celso revela as contradições que começam a se acirrar entre o diretor e os integrantes mais antigos de seu grupo: dentro do conjunto do espetáculo, a cena do Carnaval de Florença assume uma dimensão inesperada, transformando-se num ritual mágico-militarista. A direção estimula o coro de jovens intérpretes a improvisações constantes, numa pesquisa de novas possibilidades de relação com o público, em paralelo às outras cenas, que seguem seu fluxo normal, relegadas a uma posição secundária. Trata-se do primeiro passo em direção à busca de um teatro sensório e irracional, que explode na década seguinte.


Trecho extraído da Enciclopédia Itaú Cultural - Teatro em 22 de fev de 2009
http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_teatro/index.cfm?fuseaction=personalidades_biografia&cd_verbete=776
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